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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

“Rock Grande do Sul: 30 Anos”, de Lucio Brancato e Fabrício Almeida (2015)



Capa da coletânea de 1985
Não venho falando que o bairro Bom Fim e sua história andam recorrentes pra mim? Pois pouco tempo depois de ter assistido a "Filme Sobre um Bom Fim" e visitado a Lancheria do Parque nas vésperas da despedida do garçom Ildo, ambos assuntos que me motivaram a escrever aqui para o blog, outro acontecimento envolvendo o bairro me impele a falar a respeito do Bonfa de novo. É o documentário “Rock Grande do Sul: 30 Anos”, para o qual tivemos a honra de sermos convidados para a pré-estreia por um de seus diretores, meu amigo e jornalista Lucio Brancato, o que aconteceu no simpático Panama Estudio Pub, na Cidade Baixa, numa (mais uma!) noite chuvoso de setembro na capital.
Dentre os que assistiram, estavam o codiretor e também jornalista Fabrício Almeida, os colegas de Grupo RBS Alexandre Lucchese e Porã Bernardes, que ajudaram na pesquisa e entrevistas, e um dos protagonistas do filme, o DJ e produtor musical Claudinho Pereira, responsável pelos contatos que fizeram com que Rock Grande do Sul acontecesse 30 anos atrás. O disco impulsionou as bandas gaúchas dos anos 80, as quais já mobilizavam multidões por aqui, mas ainda não tinham projeção nacional. A trajetória começa em setembro de 1985 com um show no Gigantinho, o “Rock Unificado”, que reuniu pela primeira vez somente bandas locais e um público de mais de 10 mil pessoas. Disso, culmina com a escolha de cinco desses conjuntos para participarem de uma coletânea, engendrada por Claudinho junto a Tadeu Valério, executivo da RCA Victor, que veio a seu convite como olheiro assistir ao espetáculo. Convencido por Claudinho, se valesse a pena, Valério os lançaria um disco. Valeu. Assim, gravariam pela primeira vez em um LP nacional TNT, Garotos da Rua, Engenheiros do HawaiiOs Replicantes e DeFalla (este último, que não participou do tal show no Gigantinho, mas era visivelmente um destaque na cena pela sonoridade, visual e postura).
Antes da avant-première
Vendo o filme, impossível não compará-lo a “Filme sobre Um Bom Fim”, tendo em vista a quase simultaneidade em que foram lançados. A temática, que faz ambos passarem necessariamente pelo bairro e pela cena cultural da época, os une numa leva de realizações que se completa com outro documentário desde ano, “Sobre Amanhã”, de Diego de Godoy e Rodrigo Pesavento, a respeito da banda DeFalla, lançado também faz pouco, em agosto, no Festival de Gramado. Vários entrevistados são, obviamente, os mesmos, visto que nomes como Biba Meira, Carlos Gerbase, Carlos Eduardo Miranda, Claudinho e Edu K, por exemplo, são essenciais para a história dessa efervescência cultural vivida por Porto Alegre num passado recente.
Conversei sobre isso com Lucio, que me revelou ter sido, de fato, apenas um feliz acaso. As semelhanças existem, tanto que tiveram que evitar de usar imagens e vídeos repetidos em uma obra e outra. Mas a ideia de “Rock...” surgira entre seus idealizadores há pouco tempo, quando Porã se dera conta do aniversário do disco, sendo que o projeto de “Filme...”, consideravelmente maior, já vinha sendo tenteado há uma década. E é aí que as coisas começam a se diferenciar. Por tratar de um tema menos complexo, o lançamento do disco e suas consequências (“Filme...” remonta parte da história e vivências do Bom Fim e arredores em mais de duas décadas), “Rock...” exige um menor número de entrevistados (menos de 20 ao todo) e recortes temporal e narrativo idem.
Começando a projeção.
Talvez por esses fatores, “Rock...” tenha ficado tão agradável e lúdico. Não que “Filme...” também não o seja; mas a complexidade que seu tema central levanta, bem como os vários desvelamentos que não se pode deixar de fazer (política, cultura, boemia, história, antropologia, comunicação, literatura, cinema, arquitetura histórica, urbanismo, etc.), lhe dão necessariamente um caráter mais denso – desafio este que o diretor Boca Migotto cumpre muito bem, diga-se. No caso de “Rock...”, essa exigência é menor, pois os caminhos para dissecar o assunto tornam-se naturalmente menos intrincados, ajudando, inclusive a detectar com mais facilidade os pontos a serem destacados no decorrer da narrativa. Dá até para fazer “firulas”. É o que acontece, por exemplo, na hora em que King Jim, d’Os Garotos da Rua, levemente “desmemoriado”, recorda que até havia plateia no Gigantinho na fatídica noite de 11 de setembro de 1985, depoimento imediatamente reconsiderado por Charles Master, do TNT, a quem era óbvio que havia um grande público. Momento engraçado e bem construído pela montagem.
O tempo recorde em que foi produzido – desde a concepção do roteiro, entrevistas, decupagem e montagem levou-se apenas sete semanas (algo como menos de dois meses), conforme Lucio, impressionado com o próprio feito, me relatou – não prejudicou o resultado final. Muito pela experiência dos realizadores, talhados nas várias mídias do jornalismo (tevê, jornal, rádio, etc.), “Rock...” ganhou agilidade e fluência, contando desde o surgimento das bandas e o furor da cena gaúcha dos anos 80, passando pelo “Rock Unificado”, os bastidores da assinatura do contrato com a RCA e o sentimento dos protagonistas quanto àquela conquista. Além disso, remonta o que aconteceu dois anos depois da coletânea como resultado: a gravação do disco de cada uma das cinco bandas que integraram a “Rock Grande do Sul”, dentre estes os clássicos “Papaparty”, da DeFalla, "O Futuro É Vortex" (1987), d’Os Replicantes, e o LP homônimo da TNT.
Bem interessante esse momento do filme, em que contam sobre a aventura de ir para o Rio de Janeiro para gravarem os discos, o que rende histórias engraçadas e com sabor nostálgico. Charles fala da reação “jeca” dos rapazes da TNT ao se depararem com o rico aparato do estúdio e, logo em seguida, voltarem ao hotel onde estavam hospedados e esconderem os seus instrumentos de vergonha que ficaram. Ou das sacanagens que Os Garotos da Rua, suburbanos também no jeito de ser, faziam no quarto do hotel dos membros do Engenheiros do Hawaii, que, universitários intelectualizados, respondiam às brincadeiras testando-lhes o conhecimento, tal como relataram Jim e Humberto Gessinger. Eu, que sou especialmente fã de Replicantes, adorei saber das condições que a banda de Gerbase impôs à gravadora. Punks cientes – e orgulhosos – de sua inaptidão técnica como músicos, embora extremamente criativos e donos de uma música inteligente e pungente, tinham critérios desde a escolha do repertório até o método de gravação, em que a banda tocava junta (sem overdub) e escolhiam, ao final, o take “menos pior”, como relatara engenheiro de som que os apadrinhara, o Barriga.
Master, Gessinger e Gerbase,
três das figuras centrais do filme.
Detalhes cuidadosos estabelecem o ritmo da montagem, da fotografia e locações, mantendo tempos regulares e bem conduzidos das falas – um exemplo simples mas que denota essa delicadeza é o lettering que credita cada entrevistado, o qual aparece apenas depois da primeira ideia dita por estes. Ao final, fica um sabor de “quero mais”, e não pela sensação de ter sido pouco, pois, mesmo sendo um curta, o filme supera esse fator uma vez que conta muito bem a história. Fica, sim, o sentimento de “que pena, passou tão rápido!”
O filme desfecha com uma rodada de percepções de vários dos entrevistados sobre o que a coletânea “Rock Grande do Sul” representava para eles hoje. Com o a capa do vinil na mão, num exercício psicológico tátil, cada um dá seu depoimento que vai do orgulho ao carinho. Olhando-os nessa sequência, hoje todos mais velhos de quando realizaram a obra, fica a sensação de que parece ter passado pouco tempo de lá para cá, o que é imediatamente contrariado pelo fator cronológico, o qual relembra serem caprichosas três décadas. Não é pouco, de fato. A sensibilidade dos diretores e o carinho com que trataram do tema é provada no desfecho: percebendo essa atmosfera nostálgica que permeia a psique coletiva, o que se escuta no final não é "Segurança", "Entra Nessa" ou “Surfista Calhorda”, faixas do disco que automaticamente são ligadas a este – e com as quais seria óbvio demais encerrar. Ouve-se, sim, apenas o chiado da agulha no sulco do vinil, metáfora de uma obra que não inicia, pois seus ecos, na verdade, ainda não terminaram.
Afora isso, foi saboroso assistir a esse tributo a um dos discos que foi um dos principais responsáveis por fazer a mim e a meu irmão a gostarmos de rock e pelo qual guardo um sentimento especial até hoje. Pelo visto, não só eu.

trailer "Rock Grande do Sul: 30 anos" 




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