Curta no Facebook

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

cotidianas #345 - Bola pro Mato



O Corrêa já não tinha gostado nada de saber que a direção tinha contratado o tal de Luís Paulo, zagueiro, dizia-se clássico, que havia sido destaque do último campeonato nacional. Gostara menos ainda quando vira o fulano no dia da apresentação: brinquinho, fala mansa, sombrancelha feita...Puta merda! Aquilo não ia dar certo. Sem falar que zagueiro não podia ter nome composto. Só se fosse o nome seguido da alcunha, tipo, Tião Pedrada, Zeca Cavalo ou alguma coisa assim. Mas, agora, Luís Paulo? “Luís Paulo”, aquilo era nome de cabeleireiro.
Zagueiro pro Corrêa tinha que ser zagueiro. Zagueiro mesmo!!! Essa coisa de zagueiro jogar bonito pro Corrêa não existia. O Corrêa era daqueles que jogavam o cara no alambrado e saía fazendo cara de inocente. Sair jogando nada. Zagueiro tinha no máximo entregar direitinho pro volante e olhe lá. O certo mesmo era espanar e sentar a bicanca pro ataque. Mas não! O presidente tinha embestado com aquela coisa de melhorar a saída de bola, a transição. Essas frescuras do futebol de hoje. Ele bem que tentara convencer o vice-de-futebol que era bobagem, que tinha que impor respeito na defesa, que um cara daqueles na hora de decidir ia fraquejar, mas o homem da direção argumentava que era pra equilibrar com a característica do Corrêa, um mais duro, o outro mais técnico. Técnico,... tá bom...
A desconfiança do Corrêa só aumentou no dia da estreia do novo reforço. No vestiário, na hora de fardarem o Corrêa viu que o tal Luís Paulo depilava o peito. Putz! Aquilo não. Aí já era demais. Tinha certeza que ia dar merda.
Entraram em campo. O tal Luís Paulo era saudado pela torcida, imprensa, comissão técnica e por quem que fosse como om grande zagueiro do momento. Uma prova de que o futebol tinha salvação, de que nem só de chutões e faltas vivia um defensor.
Até que as coisas iam bem. De certa forma, mesmo com a implicância do Corrêa, parecia que os dois se completavam mesmo, metade técnica, metade força, se bem que não haviam sido muito exigidos naquele jogo até então. Grande superioridade, time no ataque praticamente o tempo todo, dava até por garoto com nome de cabeleireiro se exibir um pouco subindo pro ataque ou ligando os meias com um passe de efeito, mas o problema é que o jogo não saía daquele incômodo zero a zero.
A teoria toda do zagueiro clássico ia bem até que lá pela metade do segundo tempo, ali pela intermediária, o tal do Luís Paulo recebeu a bola meio enforcada mas mesmo assim tentou se livrar do atacante com uma ginga de corpo pra sair jogando. Pressionado pelo centroavante cascudo, velho de guerra, se enrolou todo, se estatelou no chão e o goleador dos caras saiu com ela dominada praticamente sozinho em direção ao gol. O Corrêa que já estava prevendo que uma hora aquela palhaçada ia dar errado estava extremamente atento e por isso não muito longe da jogada. O atacante avançava veloz vertical em direção ao gol enquanto o Corrêa fazia uma diagonal desesperada atalhando o caminho. Percebendo a aproximação do zagueiro que corria em sua direção como um guepardo faminto em perseguição a uma gazela, o atacante tentou precipitar o chute ainda antes da entrada da área, mas assim que o avante adversário armara o tiro, o Corrêa com um impulso de mais ou menos uns três metros, voou com os dois pés em direção ao centroavante, levantando tudo que encontrara pela frente. Só o que se viu foi o atacante se contorcendo de dor e um buraco do tufo de grama levantado no gramado.
O Corrêa nem esperou o cartão que tinha certeza que tomaria e já sabia a cor. Levantou e foi caminhando em direção ao vestiário. Às suas costas uma pequena confusão se formava, jogadores se empurravam, juiz exibia o cartão vermelho e o departamento médico atendia o atacante que não voltaria para o jogo naquele dia e provavelmente aos gramados por alguns meses.
Antes de descer para o vestiário lançou um olhar fuirioso para o técnico e disse;
- Ó o teu zagueirinho aí. Ele que não acostume que eu não vou salvar a pele dele sempre.
E desceu.
O sacrifício do Corrêa naquele jogo não adiantou muito. A falta na frente da área, ali pela meia esquerda, foi batida com maestria pelo lateral-direito do time adversário. No ângulo. Indefensável.



Cly Reis

Nenhum comentário:

Postar um comentário