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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

COTIDIANAS #341 ESPECIAL NATAL - A Namorada do Papai Noel



- Ho, ho, ho! Eu conheço essa moça boniiiiita! – disse o Bom Velhinho com a voz abafada pela volumosa barba branca que caía sobre a boca.
Distraída com uma vitrine, a moça, realmente bonita, nem percebeu que era com ela.
A criançada em volta, excitada, fazia a maior algazarra, pois iriam tirar fotos com o Papai Noel. Haviam ido ao shopping com seus pais especialmente para isso. No entanto, o calor que fazia lá fora era tanto, mas tanto, que o ar condicionado, lá dentro, não dava conta, ainda mais com a superlotação típica de dezembro. Todo ano era a mesma coisa. Suando rios por debaixo daquela roupa vermelha pesada e do enchimento para parecer mais gordo, ele, no tom de vovô animado, insistiu:
arte:Cly Reis
- Ei, menina da rua Mem de Sá, do bairro São Sebastião, você não está vendo que o Papai Noel está falando com vocêêêê?
Ela, vestida num charmoso e casual vestido verão, levou um susto tão grande que virou de costas e quase se desequilibrou no salto da sandália que calçava lindamente. Voltou-se para ele bastante surpresa, pois jamais esperava por aquilo. Quem também não esperava eram as crianças, que ficaram, literalmente, boquiabertas com a cena.
- O... oi... é você, Chri...?, perguntou ainda um pouco duvidosa querendo confirmar se era ele mesmo por detrás da roupa mas, percebendo em volta aqueles vários olhos de crianças abismadas mirando-a sem piscar, parou no meio a pronúncia do nome para não revelar-lhes a identidade do Papai Noel.
Christiano, no entanto, notou o tom de interrogação da frase inconclusa, bem como a consideração que ela teve para com os pequenos em seu encantamento lúdico (“Típico dela”, pensou orgulhoso). Tanto que respondeu:
- Sou eu... siiiiim! Ho, ho, ho! Como você está, Veronicaaaa!
- Cara, você viu: ela conhece o Papai Noeeeel!! – disse hiperimpressionada uma das crianças à outra, mas baixinho para não interromper a inusitada conversa.
- Estou bem, estou bem... Surpresa em te reencontrar... Papai Noel, assim... depois de tantos anos.
- Siiiiim! Há quantos anos eu não via essa moça boniiiita! Faz quanto tempo mesmo?... Viram, crianças – disse, tentando participá-las –, essa moça NUNCA deixou de acreditar no Papai Noeeeel, mesmo depois de tantos anos sem me ver, sem ganhar um presente meu no Natal...
Ela sorriu olhando para baixo, encabulada e com graça infantil.
- Agora você é um Papai Noel, então? Eu virei administradora; sou Gerente de Treinamentos.
- Que legal... – soltou, meio embasbacado – Então a moleca que se pendurava em árvore se transformou numa alta executiva?
- Alta, não, rsrs. Executiva. Às vezes nem sei onde foi parar a menina travessa que brincava “téti a téti” com os meninos e que voltava pra casa com os joelhos todos ralados de jogar bola com eles.
Riram juntos.
- E como vai aquela... “rena”, aquela com quem você vivia?... – indagou ela, pondo seriedade na expressão.
Ele entendeu tanto o código quanto a indireta:
- Aaaaahh! A “reeena”! Aquela que tinha o nariz vermelho! Ho, ho! – segurando a pança artificial para rir; encenando, claro – Aquela rena foi emboooora! Faz quase um aaaano. Nada de filhos. Me deixou, deixou o Papai Noel sozinho, lá no... “Polo Norte”. Que coisa, né, crianças? – virando-se para elas.
O que se viu foram apenas algumas cabecinhas sacudindo em sinal de “sim”, sem ousar dizer uma palavra. Fixos.
- Ah, é? Ela te deixou? – perguntou Veronica – Ela tinha mesmo o nariz vermelho quando ficava frio, que coincidência, rsrs. Percebi isso naquela vez em que a gente se topou na rua, naquele dia gelado, lembra? rsrs... Nossa, faz anos que aquilo aconteceu. Engraçado, comigo aconteceu algo bem parecido.
- O que, seu nariz também gelou?! – perguntou ele que, de tão interessado, deixou escapar sua voz de Christiano. As crianças se entreolharam, estranhando a reação do Papai Noel.
- Não, é que me separei também.
Dando-se conta que saíra do personagem, retomou a voz de velho estufado:
– Ah! Aconteceu o mesmo com você, entããão? Há quanto tempo iiiisso?
- Faz oito meses, Papai Noel, oito... Acho que era pra acontecer mesmo, sabe? As coisas já estavam ficando monótonas, chatas: de casa pro trabalho, do trabalho pra casa, sem nenhuma novidade, aquelas coisas. Acho que o amor foi se esgotando, sei lá... Fora isso, eu brinco que era um engenheiro; aí, você pode imaginar qual era a “pegada”, né: tudo certinho, tudo perfeito, nada fora do lugar...
- Ah, sei, ho, ho, ho! – riu sacudindo a pança de tecido com a mão, pois achou engraçado mesmo – Com o Papai Noel o motivo foi o contrário. A “rena” era também toda metódica, maniática até, e por isso não gostava dessa minha vida de ir aqui, ir ali. Você sabe, né: Papai Noel não pode ficar parado pra ganhar a vida. Tem que se reciclar, correr atrás. Um Papai Noel que se preze tem que viajar para todos os lugares, “levar presentes para as criancinhas”.
- Rsrs, imagino. Um por rotina, o outro por falta de rotina, certo?
Riram com cumplicidade mas, ainda sem jeito pela situação imprevista, caíram em um incômodo silêncio logo depois. As mães já mostravam certa impaciência, querendo sair com seus filhos de vez dali, embora estes estivessem tão encantados com o acontecimento que nem as importunavam mais para bater a tal foto.
- Lembrei bastante de você. Senti saudades, sabe... – confessou o Papai Noel, já não fingindo mais a voz – Faz quanto tempo daquilo?
- 12 anos. Eu senti saudade também.
- Foram tão bonitos aqueles cinco meses e meio, né? Pena que a gente era tão jovem e não deixou as coisas irem adiante. – arriscou falar, sentindo escorrer-lhe suores da toca às botas de neve.
- Pois é. Insegurança da juventude. A gente se conhecia desde pequenos, né? Desde que a gente tinha a idade dessas crianças aqui. Como a gente brincou junto, nossa! Só dava a gente lá no São Sebastião correndo, brincando de pegar, de esconde-esconde, jogando bola, subindo em árvore! Rsrs. Que coisa boa. A mãe não mora mais lá, sabia? Foi pra Cidade Alta. Vendemos a casa e ela foi para um apartamentinho do tamanho ideal pra ela agora depois que a casa ficou vazia. Meu irmão casou e foi pra Austrália. Tem um filho lá, meu afilhado. A mãe se aposentou. Eu me formei...
Depois de uma pausa reflexiva, prosseguiu:
Você não acha engraçado tudo isso que aconteceu e do jeito que aconteceu entre a gente? A gente cresceu junto, morou na mesma rua, frequentou a mesma escola, a mesma classe e só mais tarde que fomos namorar. Já homem e mulher. E foi tão rápido, nossa!... Foi bonito o nosso amor sim. Concordo com você. Aquele passado me emociona até hoje só de lembrar. Mas por muito tempo fiquei com ódio de você, sabe? Fiquei muito magoada. Principalmente, com a sua grosseria na hora da separação. Foi tão dolorido aquilo! Nem sei bem porque a gente se separou. Você sumiu e só fui te ver de novo naquele dia com a “rena”, na rua. Lembro que estava tão frio... E eu, embora estivesse acompanhada, fiquei muito triste, me fez tão mal aquilo... Depois, nunca mais soube de você, se você estava na cidade, na China ou, quem sabe... no Polo Norte. Mas, sabe, com o passar do tempo percebi que eu também tinha errado, que não foi culpa de ninguém, na verdade. E, olha só: aqui está você de novo na minha frente. Como são essas coisas da vida, né?
Veronica encheu os olhos d’água. As mães, até então num burburinho de irritação, agora se comoviam junto com ela.
Já as crianças continuavam sem entender nada.
- Foi bom ter te reencontrado, Papai... Noel. – retomou Veronica – Confesso que voltei a ser criança hoje. A gente se vê por aí, quem sabe, num outro Natal...
- É, quem sabe. Se você puder... digo, quiser, agora sabe onde pode me encontrar. Se eu estiver perdido no meio de um amontoado de crianças, é só falar com um segurança do shopping e pedir para falar com o Papai Noel que ele me recolhe para você, viu? – brincou, disfarçando a emoção.
Despediram-se e ninguém percebeu a lágrima que escorreu escondida pela barba e pelas sobrancelhas graúdas da fantasia, a qual, salgada e viscosa tanto quanto, se misturou aos fios de suor que, agora, nem incomodavam mais Christiano.
***
- Amor, não vai se atrasar pro trabalho.
- Não, meu amor, pode deixar. Já to saindo. Minha barba secou?
- Acho que sim. Pendurei no varal ontem. Quer que eu veja?
- Já to pegando aqui. – falou de uma peça para a outra do apartamento, porém sem gritar – Tá sequinha! Obrigado, meu amor. Vou lá, que tem um monte de gente me esperando.
- Isso, meu amor. Vai com Deus. Vai e faz o que você sabe fazer muito bem: encantar as crianças. Aliás, tem uma que tá esperando um beijinho seu antes de sair.
- Eu sei, eu sei. Já to indo.
Christiano pegou a mochila com o uniforme e os cadernos, pois após o trabalho ainda tinha a faculdade de Artes Cênicas que voltara a fazer depois de anos trancada. Foi até o quarto e parou à porta por uns segundos, numa prece de agradecimento. Depois, debruçou-se sobre a cama e lascou um beijo na bochecha gordinha do filho.
- O papai tá indo trabalhar, mas depois volta pra brincar de Papai Noel com você, tá?
O pequeno, com sono, sequer abriu os olhos, mas fez um “sim” com a cabeça de quem, certamente, registrara carinhosamente o aviso do pai.
Veronica e Christiano, mesmo não sendo católicos nem muito menos tradicionais, não cogitaram outra alternativa a não ser dar o mesmo nome do pai ao filho. Concebido numa chuvosa tarde do dia 19 de março há quase sete anos (que se completariam dali a dias), Christiano Locatelli Meireles calhou de nascer, irônica ou faltamente, num escaldante 25 de dezembro. Mas todos na escolinha o chamam pelo óbvio apêndice de sua alcunha: Júnior.

Veronica e Christiano aprenderam a nunca mais duvidarem das coincidências.


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