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sexta-feira, 9 de maio de 2014

cotidianas #292 - O Ju-Ma do Século


"para os meus amigos de Juventus
com os quais tive o prazer de conviver durante anos
e vivenciar muitas histórias."
Cly Reis


Em pé: Cris, Tairone, Cabelo, Flávio e Dani.
Agachados: Cly Reis, Testa, Nílson, Éverton e Fábio.
(não foi o time do Ju-Ma do Século, mas não foi muito diferente disso e 
todos estes estavam no grupo)
O Manchester já era um time consolidado no bairro quando a Juventus surgiu. Meninos, na maioria renegados de outros times por não serem virtuoses da bola, nós os juventinos por nossa vez éramos organizados e ambiciosos e em algum tempo já chamávamos a atenção dos adversários da região. Começávamos a crescer, ganhar nossos amistosos, a figurar bem em torneios locais mas parecia que para efetivamente confirmarmos uma respeitabilidade, era necessário ganhar do time do bairro: o Manchester.
Quando a Juve nasceu o Manchester já tinha lá seus 8 ou 10 anos de existência e seu jogadores além de mais velhos que nós, eram mais experientes e mais fortes. Um deles, fundador do Manchester, o Ricardo, conhecido como Lambão, era irmão de um dos integrantes e criadores da Juventus, o Nílson, que até pelo fato de ser irmão mais novo e já tendo jogado no Manchester sendo normalmente ser preterido em nome dos mais velhos ou dos que jogavam mais bola, tinha uma gana em especial para ganhar deles. Então eis que quando nos sentimos minimamente prontos desafiamos o Manchester para um duelo. Para ver quem mandava na Intercap. Era lógico que eram eles. Mais tarimbados, corpulentos e organizados dentro de campo nos aplicaram uma impiedosa goleada. O que se repetiu algumas vezes em novos enfrentamentos, inclusive em um torneio da Federação de Futebol Sete do qual ambos os times participaram.
Mas as goleadas diminuíram. Os manchesterianos ainda nos venciam mas os placares passaram a ficar mais apertados e às vezes de maneira até mesmo contestável. A Juventus, além de perder a inocência inicial, agregava novos valores ao time, nos reforçávamos com um conhecido de um aqui, um colega de outro acolá e de repente começávamos a ganhar uma cara de time. Tinha um bom goleiro, o Tairone, um bom meia, o Éverton, o Testa tinha suas virtudes, o Topo-Gigio também mas de resto eram jogadores apenas esforçados. Mas então o Fábio, um menino que havia estudado comigo na 3 série havia voltado a morar no bairro e agora era um rapaz forte e corpulento, o Dani, um garoto que morava perto do campinho, jogava na defesa e gostava um bocado de bater, o irmão do Tairone, o Cris, que era franzino mas valente e dono de um espírito de liderança e tanto, passaram a fazer parte do nosso time. Com estes e outros a Juventus se reforçava e diminuía a diferença para o grande rival do bairro. Era hora de desafiá-los de novo.
Havia agora a convicção que o reforço não deveria ser apenas técnico mas também físico visto que os jogadores do adversário era muito mais fortes. O Tairone conhecia um cara, o Élton, que jogava muita bola e, apesar de ser mais ou menos da nossa mesma idade, era bem mais forte pois gostava de musculação coisas do tipo. Chamou o cara para jogar com a gente. Ele topou. Estrearia exatamente num Juventus x Manchester.
Naquela época, por conta de uma personagem de uma novela, a tal Juma Marruá, e pela coincidência das iniciais dos times, por brincadeira passamos a chamar o confronto pelo nome da moça, mas o apelido pegou e o título do nosso duelo local passou a ser esse: o clássico JU-MA.
E veio o dia do clássico. Seria aquele o dia da nossa primeira vitória? Sim, amigos! O fato de ter o Élton em campo fez toda a diferença. Além da boa qualidade técnica, parecia que não era mais apenas um time de guris, e o Manchester, já assutado pelas partidas anteriores que vinha ganhando no detalhe, sentiu isso. O jogo ficou mais pegado, os meninos não refugavam nas divididas, não se intimidavam, não fugiam das encaradas. O gol saiu num chute de longe do Fábio em que a bola desviou em alguém pelo meio do caminho e tirou do goleiro Edemir. 1x0 pra nós. Os 'meninos' iriam ganhar e o Manchester não conseguia aceitar aquilo. Até por isso o jogo ficou tenso, os nervos ficaram à flor da pele e como era de costume nos nossos embates contra o co-irmão, a partida acabou em confusão. Na confusão aconteceu algo de crucial importância e determinante para a sequência da trajetória da Juventus como time e para os confrontos futuros contra o Manchester. Nosso zagueiro, o Flávio, conhecido como Azeitona, acertou um murro no nariz do Júlio, um zagueiro alto, forte e violento que até então sempre nos impunha um grande respeito e até medo, por que não dizer, pelo seu jogo viril e até desleal. O curioso é que pela primeira vez eles ficaram intimidados. O Júlio não revidou o soco. Não massacrou de porrada o guri metido que ousara lhe dar um soco no nariz, como seria o provável que acontecesse em outros tempos. é lógico que a confusão aumentou, teve todo aquele "deixa disso", "vamos separar" e tal, mas não partiu pra cima do agressor. Não. Além do fato de ter o Élton em campo, o que já nos conferia uma imagem de igualdade física, era evidente pelo resultado do jogo e pela reação que os meninos tinham crescido. Tinham crescido e nunca mais as coisas voltariam a ser como antes.
É lógico que a Juventus voltou a perder umas que outras para o Manchester, mas nunca mais fomos fregueses. Depois da primeira vitória, igualamos o número de triunfos, devolvemos a golada no Campeonato da Federação, ultrapassamos o rival em número de vitórias e nunca mais foi abandonamos essa vantagem.
O bairro tinha um novo dono.
Parecia que sim, mas a grande prova estava por vir. O Ricardo, dono do Manchester, resolvera organizar um torneio padrão FGF7 (Federação Gaúcha de Futebol Sete), inclusive com árbitros contratados e tudo mais. Súmulas, partidas nos horários, calendário, belos troféus e medalhas. Ah, nossa recém conquistada supremacia não seria nada se não ganhássemos a Copa Intercap.
O destino, sacana, nos reservou uma peça logo de cara: pegaríamos o Manchester na primeira fase. Jogo equilibrado. Respeito mútuo, ninguém se abriu e o jogo ficou no 0x0. Ambos passamos de fase, eliminamos nossos adversários até que o destino, novamente ele, inconformado com a normalidade dos fatos no embate anterior, colocou-nos frente à frente numa semifinal. Aquilo decidiria a vaga na decisão. Maior que aquilo só se fosse a própria final, mas como não era, o grande confronto histórico de Juventus e Manchester seria aquele.
Como alguns anos antes Internacional e Grêmio se enfrentaram numa semifinal de Campeonato Brasileiro e o confronto foi chamado de "Grenal do Século" pela importância que tinha naquela fase de um campeonato nacional, pela semelhança das circunstâncias, foi natural e justo que aquele jogo do torneio, até então, mais importante que aquele bairro já havia visto, fosse alcunhado de nada mais nada menos que o "Ju-Ma do Século".
E o jogo foi eletrizante! Jogadas bonitas, jogadas duras, tensão, seriedade, apreensão! Até que numa jogada boba, num escanteio, o goleiro do Manchester, o Edemir, um cara meio cabeça-quente, depois de ter defendido o cruzamento e ter a bola em seu poder, agrediu o Éverton, com o jogo em andamento. Pênalti!!! O Fábio, que já se transformava num carrasco deles, bateu e fez. Edemir foi no canto certo a bola ainda triscou na trave e entrou. Estávamos na frente.
O jogo prosseguia bem, de certa forma sob controle, até que o Fábio que fazia uma atuação extraordinária até então, falhou. Foi matar uma bola com a sola do pé e a deixou passar por baixo dele. Ela sobrou limpa, quicando, na frente do gol pro atacante deles o Esquilão que não pensou duas vezes: fuzilou! eles empataram. Se seguisse daquele jeito teríamos penais. O  resultado impacientava os dois times, a tensão crescia e a rivalidade não permitia que se pensasse na hipótese do outro ganhar. Por tudo isso, lá pelas tantas, pelo finalzinho do jogo, não lembro por qual motivo fechou a confusão. Empurra-empurra, braço pra cá, braço pra lá, separa aqui, parte pra cima do outro e nisso tudo, dois nossos foram expulsos e um deles. Os momentos finais seriam de arrepiar e com muuuuito espaço em campo. Mas a Juventus realmente parecia mais madura e soube encarar melhor a situação, e numa bola alçada longa, quase do meio de campo para a área, o Testa conseguiu ganhar na cabeça do goleiro que que saiu mal, quase no bico da área. A bola que ainda raspara na sua luva do atabalhoado arqueiro, foi morrendo devagarinho no fundo do gol. Foi uma explosão só! Nossa e das pessoas que assistiam ao jogo na lateral do campo que àquelas alturas estavam torcendo pelos meninos contra os marmanjos. Os minutos finais foram de tensão, de bola pro mato, de chutar pra qualquer lado. Não tinha mais jogo. Era só esperar o apito final. E ele veio com a nossa classificação e a vitória definitiva.
Curiosamente, assim como o Internacional que venceu o Grenal do Século mas não levou o título brasileiro, perdendo para o modesto Bahia, também não ganhamos a final, sendo derrotados pelo fraco Caracol. Chegamos à decisão, que seria no mesmo dia à tarde, esfacelados! Física, mentalmente, emocionalmente e com os dois desfalques expulsos no clássico. Eles fizeram 1x0 e, simplesmente, mortos de cansaço depois de um jogo de altíssima exigência, não tivemos força para buscar o resultado. Mas não fazia mal. É lógico que gostaríamos de ter coroado nossa participação com o título, mas o fato de ter vencido o maior rival numa semifinal do torneio mais importante que já houve no nosso bairro, já era motivo de sobra para que ficássemos orgulhosos e nunca mais déssemos margem para qualquer contestação
Aquele bairro tinha um novo dono.


Cly Reis

3 comentários:

  1. Parabéns por recordar uma parte maravilhosa da minha vida, não fui citado neste grande clássico mas estive no jogo.Lembro até hoje do jogo contra o caracol, eu não conseguia correr em campo e só pensava quanto tempo falta para acabar! Ass: Marcelo Duarte

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  2. Bá, de emocionar. Não tenho tanta clareza de lembrança dos detalhes, mas lendo consigo relembrar e reviver. De emocionar. Show de bola, Clayton, literalmente.

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