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domingo, 3 de fevereiro de 2013

cotidianas #201 - Amor. E um Videogame


- Eu quero terminar tudo.

-Calma, guarda um pouco de bolacha para amanhã. – Ele disse, afastando o pote dela.

-Não, você não entendeu. Entre nós. Quero acabar.

-O quê? – A mão bateu no pote, as bolachas amanteigadas rolaram pelo tapete. Os dois começaram a juntar.

-Não te amo mais.

-Quebrou.

-Exato! – Disse ela sem olhar diretamente para ele. Jogava as bolachas no pote de vidro.

-Não, quebrou o pote. Rachou no meio. – Ele respondeu constrangido. A rachadura dividia o pote em dois.

-Bom, não importa. Eu não te amo mais. Decidi começar 2013 sem medo, sem receios. Chega dessa relação, ela está esgotada.

Ele terminou de juntar as bolachas do chão. Ficou em silêncio, olhando os farelos. Pensando em coisas passadas.

-E sabe o que mais? – Ela pegou o pote rachado. Jogou no lixo, junto com as bolachas sujas. Só terminou a frase quando voltou. – Acho que você também não me ama.

-Hum.

-Hum, o quê? Você tá ligando o videogame?!

-Tô quase virando.

-Você não me respeita, mesmo. Não me dá valor.

Ele disse sem olhá-la:

-Você terminou comigo mesmo eu desligando, toda santa vez, esse videogame para te ouvir. Por que você acha que, justamente agora, após o fim, eu vá fazer esse esforço?

-Eu não acredito.

-Além do mais, o videogame tem fim. Seus falatórios, não.

-Cretino. É por isso que não te amo mais. Porque você só pensa em você.

-Vai catar coquinho.

-Hum?!

-O macaco. No videogame. Nessa fase ele cata coquinhos. Na anterior são bananas.

-Você ouviu o que eu disse? Que eu terminei porque você só pensa em você!?

-Não. Você terminou comigo porque é egoísta e tem um trauma de infância que faz você gostar de quem te trata mal.

-Como é?! – Ela gritou de susto. Para dentro e para fora de si.

-O dia que te pedi em namoro, você não aceitou.

-Não gosto de flores, serenatas, não gosto de bajulações.

-Mas disse que queria namorar comigo quando me viu ficando com uma guria daquela festa.

-Nem sabia disso.

-Sabia sim. – Ele balançou os braços. O macaquinho havia caído da árvore. – Você atualizou o status do nosso Facebook, ainda no mesmo dia, e foi comentar no perfil da menina.

-Bom…

-Você odiou aquele poema que eu te escrevi.

-Achei meloso.

-Mas me escreveu uma carta de amor, como comentário, naquela postagem que eu fiz no Facebook. A postagem em que eu dizia ter saído com aquela amiga muito especial.

-Cachorro.

-Quem dera eu fosse.

-Não, no videogame. Cuidado com o cachorro. – Ela sentou-se do lado dele.

-Você odeia quando não te dou atenção. Mas se o foco da conversa não é você, você diz que eu não te escuto.

A garota ficou em silêncio. Ele continuou:

-Então, tudo bem. Se com todo o meu esforço, você ainda quer terminar, termine de uma vez. Pelo menos agora posso focar minha atenção em coisas que não sejam você e seus monólogos.

-Você não fica nem triste?

-Claro, poxa  Eu te amo, mais do que qualquer guria que já peguei. Mas você precisa aprender que namorar não significa ser dono de nada. A gente não se pertence. A gente se doa um para o outro. Não é obrigação. É porque se quer.

-Hum.

-Agora é a vez do ursinho no jogo. – Ele já estava na última fase.

-Que fofinho.

-O coelhinho é mais fofinho.

-Não, seu bobo. Você é fofinho.

Ele olhou para ela. Ela retribui, sorrindo. Algo brilhou… na TV.

-Você vai perder o jogo. – Ela comentou vendo o urso cair num buraco.

-Mas vou ganhar outra coisa.

Os dois se beijaram.

-Eu te amo.

-Eu que te amo.

-Você não ganhou o jogo. – Ela disse.

-Ganhei você.

-Que lindinho!

-Eu sei.

-Não. Tô falando do coelhinho do jogo. Apareceu ali.
  
de Luan Pires




Luan Pires é formado em Jornalismo. Escritor "de chuveiro" e viciado em literatura. Cresceu lendo os livros de Agatha Christie, ama Machado de Assis e acha a Capitu a personagem mais fascinante de todos os tempos.
Ver filmes é uma de suas paixões. Viciado em café e fascinado por tempestades repentinas. Libriano, organizado - e chato também.
Mas é boa gente, pelo menos se esforça para isso..

4 comentários:

  1. Que amooor! Típico do Luan ogrinho! :)

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  2. HAHAHAHA, obrigado (eu acho)! :D

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  3. Delicado e perspicaz retrato das relações humanas nos nossos tempos, onde ocupadas com seus celulares, redes sociais, programas de TV, joysticks, etc., as pessoas às vezes estão esquecendo o seu lado mais humano.
    O grande achado e o toque refinado de ironia é que exatamente quem estariaaquele casal mais propenso a estar alienado, distante, frio, maquinal, era ali o mais sensato, sensível e profundo na relação.
    Admirável, Luan!
    Parabéns pelo texto.

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  4. Opa, obrigadão Cly, de verdade! =) É bom ver que nossos escritos chegam ao outro, e que sempre chegam de forma diferente, para cada um. Ah, parabéns pelo blog :) Vou aparecer mais por aqui, agora :)

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